quarta-feira, 2 de março de 2011

Insônia


Ele andava descalço por um gramado verde, molhado, cheiroso, que cobria uma grande superfície deserta. Ventava muito, chovia muito, trovejava muito, enquanto ele corria muito. Corria, se divertia, sorria e dançava a chuva, dançava a corrida, dançava o trovão e corria mais. Em meio a toda essa folia eis que surte um espinho. Um traiçoeiro espinho que se escondeu em meio a sua alegria.
Chorou e fechou os olhos de tanta dor. E feito isso todos os sons pararam, e ele, então, se viu diante da escuridão que se escondia em suas pálpebras. Era preciso ter coragem. Ele era corajoso. Homens são corajosos e não choram.
Abriu os olhos. E o que viu foi a escuridão conhecida do seu quarto.
Seu quarto onde os carrinhos dormiam no baú, os bonecos dormiam na prateleira e o cachorro dormia embaixo da cama.
Era bom estar em casa, e notar que seu pé não mais sangrava. Mas e o gramado? E a chuva? E o trovão? E a dança? Pensar nisso não lhe deixava dormir. Então levantou. Levou as mãos ao interruptor que traria a luz para seu já tão conhecido quarto, mas parou no meio do gesto.
Queria atravessar o seu quarto no escuro. Como nunca havia feito. Andou. Um passo, dois passos, três passos, a porta. Abriu. Sabia que se encontrava no corredor, mas este também estava escuro. Acharia a porta que levaria a cozinha sozinho. Ele já era um homem, e homens faziam isso quando tinham pesadelos.
Tateou a parede até encontrar uma maçaneta. Abriu. Entrou na sala. Mas o chão não era o frio piso da cozinha, era outra coisa. Parecia um tapete, no qual ele nunca havia pisado.
No tempo do seu silêncio surpreso ouviu uma música baixinha que tocava em alguma vitrola naquele cômodo. Reconheceu-a de imediato. Era música que seu pai ouvia quando estava trancado atrás daquela porta que não lhe era permitido atravessar.
Uma euforia tomou conta dele quando entendeu que estava na sala em que só os adultos podiam entrar. E ele nem precisou criar nenhum plano. Ele foi simplesmente presenteado por um descuido de seu pai. E agora? O que faria, já que já tinha embarcado no que prometia ser a maior de suas aventuras?
Dançou. Dançou a música, dançou o tapete, dançou o escuro e se esbarrou numa porta. Esta não estava trancada também. Abriu. Entrou. E se viu numa sala com duas portas. Ele nunca tinha sentido tanta euforia. Entrou na porta da esquerda, que dava para uma escada, que imediatamente ele subiu.
Se viu numa sala clara, e vazia, que tinha uma janela e dela ele podia ver a primeira sala, clara como a que estava, e pôde notar coisas que não tinha percebido quando passou por lá, como a flor que estava num jarro ao lado da vitrola, ou a coleção de canetas, cuidadosamente arrumadas em cima da mesa. Desceu. Entrou na porta da direita, e se viu cego de novo. Mas dessa vez não pela falta de luz, mas pelo excesso. Correu querendo sair dali. Seus olhos doiam. Tropeçou em alguma coisa. Como doía! Continuou correndo se esbarrou numa parede e achou outra porta. E se viu numa sala em penumbra, que dava para três portas. E ainda em estado de euforia ficou totalmente paralisado.
Já tinha visto demais. Era melhor voltar. Voltou. Correu. Tropeçou. Fechou os olhos. Continuou correndo até se ver diante do corredor, já iluminado pelos primeiros sinais da manhã. Entrou em seu quarto, suado, recuperando o fôlego e ficou diante do seu quarto. Seu quarto de sempre. Com seus carros, bonecos e cachorro. Com sua cama, seu baú e suas prateleiras. Mas agora ele sabia da existência de mais coisas. O que será que tinha atrás de cada uma das três portas? Ele precisava voltar e descobrir onde aquilo ia dá? Fechou os olhos pra respirar fundo e tentar se acalmar. Se viu, novamente diante da escuridão de suas pálpebras. E decidiu voltar. Era preciso ter coragem. Ele era corajoso. Homens são corajosos. Abriu os olhos. E o que viu foi a escuridão conhecida do seu quarto. Seu quarto onde o computador dormia na mesa, os livros dormiam nas prateleira e onde o cachorro não mais dormia. Era bom estar em casa. Mas e as portas? E as salas? E a euforia? Pensar nisso não lhe deixava dormir. Então levantou. Levou as mãos ao interruptor que traria a luz para seu já tão conhecido quarto, mas parou no meio do gesto.

2 comentários:

Jan disse...

Háaaaaaaaaa. Adoreeeei! Muito, muito bom. Me lembrou até de Chico. Acho que dá samba, hein Lalai!

Diego Pinheiro: disse...

"Um passo, dois passos, três passos, a porta."